" Há mais solidão num aeroporto
que num quarto de hotel barato,
antes o atrito que o contato."
(Zeca Baleiro)

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

A garota do vestido marrom, a mãe e o mendigo

A garotinha do vestido marrom, não parava de tagarelar, enquanto andava pela calçada, um segundo se quer a respeito do filme [aliás, ela simplesmente nunca parava]. O filme no qual sonhara a semana toda pra assistir ao lado da mãe, a cirurgiã plástica, esteticamente falando, tão ocupada com suas consultas ricas. Ricas de ausência de conteúdo.

Olívia agora andava de mãos dadas com as da mãe, tão feliz com seu vestido, empolgantemente-sorridente-estridente só de pensar que finalmente sua mãe arranjara um tempo em sua divertida agenda. Sem saber que, segundos depois, algo lhe tiraria o filme de seu foco. Benditos segundos que mudariam a vida pensante da pequena garotinha.

Logo adiante à calçada, avistara algo. De longe, no chão. Era um amontoado de panos velhos a princípio. Justificável que fosse realmente, a garota há um ano precisava de óculos. Tentara comunicar a mãe, mas o Motorola dela sempre chegava aos seus ouvidos antes que Olívia.

Foram se aproximando daquele amontoado e percebera que debaixo dele havia alguém. Alguém sentado no chão, sujo, cabelo bagunçado, com odor desagradável muito forte e uma caneca de plástico estendida na mão direita, dessas de lojinhas de um e noventa e nove, envolvida pelas mãos gastas com dedos feridos.

Sua cabecinha, tão pequenininha começara a crescer e montar uma série de pensamentos, assim, feito gente grande faz. Olhou bem para aquele cara ali jogado, olhou dentro dos olhos dele. Olhos que também a fitavam, tentando disfarçar aquele amargurado todo. Foi então que desarmara a mãe com tantas perguntas. Talvez tenha sido a primeira vez que esta prestara de fato atenção em algo que a filha houvera dito:

“Mãe, por que aquele velhinho tá sentado no chão? Ele não tem casa? Por que ele segura uma caneca? Por que têm moedas dentro dela e não um café ou suco ou aquele chá que a senhora toma? Por que eu tô vestida de vestido novo de cor bonita e ele tá com esse remendo velho de cor feia e suja? Ei mãe, por quê? Hein, mãe? Mãe!”

A mãe ouvira tudo o que Olívia dissera, mas achara mais fácil fazer o que faz sempre:

“Quieta Olívia. Anda rápido se não a gente se atrasa pro filme. A gente vai comer antes, esqueceu que eu tô com fome? Tive que passar no banco e sacar dinheiro, nem deu tempo de comer nada.”

“Mas mãe... Então por que ele não pega o cartão de crédito dele, vai no banco e pega um dinheiro pra comer alguma coisa? Ele parece que tem fome..”

Aquilo era demais pra cabecinha de Olívia. Acabara de completar cinco anos, era quase impossível uma menininha entender o porquê da existência de alguém no chão, sujo, sem dinheiro, enquanto ela, vestida e perfumada, ia ao cinema gastar o tanto que a mãe tinha.

No meio do filme, a única coisa que conseguiu pensar e dizer foi:

“Mãe? Quando a gente voltar, vamo deixar pra aquele velhinho um hambúrguer bem grandão?”

Pena que o que ela ainda desconhecia era a efemeridade das coisas. Não podia saber que poucas horas depois, o velhinho já não existiria mais.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Braços e abraço

Eu sei, no fundo, que meus braços não são compridos o suficiente. Teriam que medir quilômetros infinitos de comprimento afim de que assim pudessem enfim abraçar tudo o que quero e até mesmo o que não me ganhe pelo gosto, assim logo de cara como essas outras coisas.

Não é de tão egoísta da parte desse meu coraçãozinho, um tanto menos modesto, eu sei. Mas o fato é que só queria poder rir o tempo todo ao lado de todas essas coisas e momentos e cheiros que quero agarrar de uma só vez.

É. Também sei que é isso que faz da minha essência uma criança. Isso é típico delas. Bato pé, esperneio, grito, choro. Mas no fim acabo por admitir todos esses caracteres que pra minha faixa etária já não são mais vistos com bons olhos como quando eram na “minha época”.

Não posso deixar de lado toda a musicalidade do cheiro daqueles e desses momentos misturados em uma só cor, em cada poro do meu abraço de braços que eu sei que não medem quilômetros infinitos de comprimentos.
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